OS VALORES DO URBANISMO AFETIVO E O URBANISMO OFICIAL ATUALMENTE PRATICADO EM SÃO PAULO
- Fórum Verde
- 1 de out.
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O mercado imobiliário em São Paulo tem investido em campanhas publicitárias que vendem a promessa de uma vida melhor, associada à qualidade de vida, mobilidade, tranquilidade e afetividade. Contudo, essa imagem idealizada de uma “cidade feliz” contrasta com a realidade atual: a produção do espaço urbano está cada vez mais pautada por “paisagens desalmadas”, marcadas pelo excesso de concreto, pela supressão das áreas verdes e por ambientes austeros, cinzentos e segregados, que limitam e até impedem as experiências de afetividade na cidade.
Por isso, é preciso refletir: você sabe o que são Cidades Afetivas?
O conceito de “Cidades Afetivas” foi elaborado pela Doutora em Antropologia Vivian Aparecida Blaso Souza Soares César, em parceria com o antropólogo Dr. Sydney Cincotto Júnior, a partir de uma pesquisa acadêmica densa e sistematizada iniciada no Complexus/PUC-SP em 2016 e que vem sendo desenvolvida no âmbito do IEA-USP, em especial no Campus da USP. Esse conceito ressalta valores associados ao Bem Viver (Alberto Acosta), ao Convivialismo (Manifesto Convivialista) e à Vida em Comum (Pierre Dardot e Christian Laval).
O “Cidades Afetivas” nasceu da observação crítica do movimento das Smart Cities, publicada no livro Cidades em Tempos Sombrios: Barbárie ou Civilização (2017) de autoria de Vivian Blaso publicado pela Paco Editorial, resultados de sua tese de doutorado em Ciências Sociais. Nesse contexto, foram identificados dois vetores principais: de um lado, as tecnologias voltadas à performance das cidades, atreladas a interesses capitalistas como o controle de água, energia, transporte e emissões de CO₂; de outro, experiências centradas nas pessoas e nos coletivos, empenhados em revitalizar praças, reflorestar áreas urbanas, cultivar hortas comunitárias e resgatar um ethos antropo ético do bem viver. Exemplos como o da Praça das Corujas, em São Paulo, evidenciam esse reencontro com a vida comunitária e a regeneração socioambiental em contraponto à lógica fragmentada da cidade planejada para o ciclo casa–trabalho–shopping–automóvel.
Conceitualmente, o Cidades Afetivas [1]constitui-se como um observatório dos movimentos afetivos que emergem nas cidades. Fundamentado em etnografias urbanas, valoriza histórias de vida e experiências de participantes de fenômenos sociais, aprofundando a compreensão das dinâmicas coletivas e das articulações territoriais que reivindicam transformações socioecológicas. Nessa perspectiva, evidencia-se o papel dos coletivos urbanos como atores centrais na formulação de políticas públicas, ampliando a participação da sociedade civil como força motriz da transformação sociocultural e da construção de resiliência frente aos riscos climáticos.
Nesse debate, o artigo de Claudio Bernardes, “Urbanismo afetivo traz emoção humana e conexão social às cidades” (Folha de S. Paulo, 28/08/2025), propõe um conceito de urbanismo afetivo que valorize emoção, pertencimento e convivência social como pilares para o desenho urbano. Ressalta corretamente a importância de espaços públicos que promovam saúde, felicidade e conexões entre as pessoas, alinhando-se a uma visão de cidades humanas, inclusivas e sustentáveis. Porém, a realidade atual de São Paulo, caminha em direção oposta do que foi preconizada por Bernardes como explicamos a seguir:
As revisões legislativas de 2023 e 2024 no Plano Diretor e no zoneamento reforçam uma lógica imobiliária que privilegia a maximização do uso do solo e os interesses privados em detrimento do bem-estar coletivo. Esse modelo aprofunda desigualdades, acelera a gentrificação, desrespeita o patrimônio cultural e ambiental e intensifica a precarização habitacional. A verticalização e a impermeabilização, sem estudos adequados de impacto, ampliam ilhas de calor, riscos de inundações e instabilidade geotécnica. Paralelamente, as Zonas Estritamente Residenciais (ZERs) perdem sua função histórica de proteção socioambiental, sendo desfiguradas pelos Eixos de Estrutura Urbana, que promovem adensamentos incompatíveis com a capacidade local, agravando vulnerabilidades sociais e climáticas.
A escuta ativa e a participação cidadã, essenciais para um urbanismo verdadeiramente afetivo, foram negligenciadas. As recentes mudanças legislativas ocorreram sob a forte influência de interesses privados, com pouca ou nenhuma consulta efetiva aos moradores e movimentos sociais. O debate democrático foi esvaziado, reduzindo a participação popular a uma mera formalidade. Nesse cenário, a afetividade não se concretiza na cidade real que se ergue; ao contrário, dissolve-se em experiências de exclusão, vulnerabilidade e sofrimento urbano.
Portanto, a cidade que São Paulo constrói hoje, inspirada por legislações recentes, é o oposto das Cidades Afetivas. Em vez de promover pertencimento, segurança e empatia, consolida-se como uma cidade excludente, injusta e ambientalmente negligente. Diante desse quadro, impõe-se a urgência de reorientar o modelo urbano para a justiça social e ambiental, recolocando o cuidado com as pessoas e seus afetos no centro das políticas e práticas de planejamento.
Vivian Aparecida Blaso Souza Soares César - Doutora em Ciências Sociais - PUC/SP, Pós-doutorado IEA-USP Cidades Globais, Pesquisadora no GovAmb USP, Coidealizadora do Cidades Afetivas e Artista.
Ivan Maglio - Dr. em Saúde Pública, Pesquisador do IEA USP e Pós-Doutor pela FAU/USP. Subscrevo o texto como crítico do urbanismo negacionista dos riscos decorrentes da emergência climática praticado atualmente na cidade de São Paulo, e pela admiração que tenho ao conceito das cidades afetivas.
Cidades Afetivas
IPAN
Defenda São Paulo
Fórum de Parques e Áreas Verdes
Ecobairros
Movimentos das Vilas BEIJA
Butantã
Engenharia pela Democracia
Associação de Amigos Jardim dos Jacarandás
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