CARTA ABERTA DO FÓRUM VERDE PERMANENTE DE PARQUES, PRAÇAS E ÁREAS VERDES SOBRE LEGISLAÇÃO DE PODAS DE ÁRVORES EM SÃO PAULO
O movimento da sociedade civil “Fórum Verde Permanente de Parques, Praças e Áreas Verdes”, atuante na cidade de São Paulo, tem o compromisso com a defesa, preservação, recuperação, proteção, ampliação e uso sustentável das áreas verdes públicas da cidade de São Paulo. Diante dessa prerrogativa, o Fórum Verde, expõe a público o que se segue:
1. Tendo em vista a relevância do tema arborização para a questão ambiental de forma regional e nacional, apresentamos questionamentos referentes à recente “Lei da Poda e Supressão”, n o 1727/2020, que alterou os artigos 9, 11, 12, 21 e 23 da Lei nº10365/1987, que trata da regulação do manejo arbóreo no município de São Paulo. Entendemos que o tema é relevante tanto para debates como para entendimento de questões que estão sendo abordadas e questionadas pela opinião pública, podendo influenciar as políticas públicas de órgãos do executivo e legislativo em âmbito municipal e nacional, além de revelar as incongruências da lei perante o sistema normativo ambiental.
2. Em termos simplistas, a redação da nova lei permite a delegação de competência a engenheiros agrônomos e florestais e a biólogos pela supressão de vegetação de porte arbóreo situada em logradouros públicos, mediante pleito de particulares. Da mesma forma, permite a particulares o corte ou poda em seus terrenos, mediante laudo técnico, além de disciplinar os casos de cortes emergenciais na cidade. A análise prévia dos técnicos do poder público foi prejudicada em nome de laudos particulares e autorização direta de subprefeituras e, desta forma, o interesse econômico das empresas particulares poderá sobrepor-se aos critérios técnicos de proteção à massa arbórea urbana.
3. A nova lei estabelece critérios discutíveis e vagos: permite a retirada de “espécies invasoras” e em situações de “incompatibilidade” entre árvore e local onde implantada (arts. 11, VII e VIII, respectivamente). Ambos os dispositivos geram interpretações dúbias, superáveis pela boa técnica botânica, que exigiria estudos científicos e criteriosos para se determinar até que ponto determinado exemplar arbóreo compromete o ecossistema do qual faz parte ou interfere de forma irremediável no ambiente urbano.
4. As autorizações para corte e poda foram ampliadas a agentes concessionários, terceiros por esses contratados ou mesmo empresas concessionárias atuantes sem a celebração de convênio com a prefeitura, mediante apresentação de laudo técnico elaborado por engenheiros agrônomos e florestais, além de biólogos. Tal permissivo deposita a responsabilidade pelo critério do manejo arbóreo nas mãos de interessados por demandas de ordem particular, mediante o olhar técnico de apenas um profissional, transformando a questão em simples trâmite administrativo e pondo em risco o sistema ambiental urbano como um todo. Eventual contra-argumentação fica depositada nas mãos dos particulares, que não têm à sua mercê profissionais habilitados (vide art. 12-C e parágrafos), a não ser que arquem com isso. Põe-se em questão até a capacidade técnica exigida para corte e supressão das árvores e todo o cuidado que a atividade requer.
5. Em um contexto em que as árvores disputam espaços na cidade pela sobrevivência, concorrendo com instalações de infraestrutura de toda ordem, pouco espaço em calçadas, muitas vezes sofrendo e causando inconvenientes por inadequações de espécies no local, justifica-se cautela das políticas públicas no manejo, em consonância com o previsto no Plano Municipal de Arborização Urbana. No entanto, a lei n o 1727/2020, sancionada de forma pouco refletida, fere diretrizes básicas de proteção ambiental, inclusive as constitucionais, dada a importância direta das árvores como reguladoras do clima e da qualidade do ar, portanto fundamentais para a saúde pública 1 . Vale lembrar que encontra-se em elaboração pelo GTI/SVMA instituído por meio da Portaria do Prefeito nº 509 o Plano Municipal de Ação Climática, no qual a arborização urbana desempenha papel relevante na mitigação e adaptação aos efeitos do aquecimento global. Além disso, é claro para a sociedade e Poder Público a importância das árvores para a avifauna, sua procriação e promoção da biodiversidade animal. As árvores são parte de um sistema ambiental passível de proteção, geradoras de benefícios ecossistêmicos, constituindo-se como elementos da paisagem urbana, parte de um sistema que se conecta com fragmentos de matas e rede florestal. Portanto, têm seu papel ambiental bem definido e não podem ser obstáculo a interesses particulares, sob a oficialização do Poder Público.
6. Os vários dispositivos da lei n o 1727/2020 geram um risco potencial e real ao patrimônio arbóreo da cidade, uma vez que “facilitam” ao particular e contrariam o interesse público, dando margem à remoção e poda de forma indiscriminada, ainda que sob o véu da análise técnica. Além disso os dispositivos conflitam com o Plano Diretor Estratégico da cidade, lei n o 16.050/2014, que visa ampliar as áreas verdes, e não diminui-las. De acordo com o art. 25:
“Os objetivos urbanísticos e ambientais estratégicos relacionados à recuperação e proteção da rede hídrica ambiental são os seguintes:
I – ampliar progressivamente as áreas permeáveis ao longo dos fundos de vale e cabeceiras de drenagem, as áreas verdes significativas e a arborização (grifo nosso), especialmente na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, para minimização dos processos erosivos, enchentes e ilhas de calor”.
O art. 88 elenca entre as diretrizes específicas para o ordenamento e gestão da paisagem:
“VIII- promover ações de melhoria da paisagem urbana nos espaços públicos, em especial o enterramento do cabeamento aéreo, a arborização urbana (grifo nosso), o alargamento, qualificação e manutenção de calçadas, em atendimento às normas de acessibilidade universal, dentre outras medidas que contribuam para a promoção da cultura da sustentabilidade e garantam o direito à cidade.”
Nesse particular das calçadas, da forma como redigido o artigo 11, VIII, há a previsão de remoção de árvore para fins da garantia da faixa livre de 1,20m. Trata-se de critério arbitrário, tendo em vista a enorme variação de padrões existentes nas calçadas da cidade. A mera remoção de árvores não garantirá de forma alguma a padronização e a acessibilidade desejadas para os passeios públicos de pedestres, que também sofrem com interferências causadas por postes, placas e até mesmo invasões promovidas por particulares. Ademais está em desacordo com o Decreto municipal 58.611 de 24 de janeiro 2019, que consolida os critérios para a padronização das calçadas observando a garantia das faixas livres em calçadas. Portanto, a lei se aplicaria a situações futuras e planejadas, em associação com obras urbanísticas, mas não poderia se aplicar a situações existentes de plantio que mereceriam um olhar acurado.
No tópico do Plano Diretor da cidade de São Paulo, na política dos Sistemas de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Livres de São Paulo, há a determinação da política de “promover interligações entre os espaços livres e áreas verdes de importância ambiental regional, integrando-os através de caminhos verdes e arborização urbana (grifo nosso)” (art. 268,V).
Os artigos 268 e seguintes do PDE de SP disciplinam o Plano Municipal de Arborização Urbana (PMAU), que implica desde a realização de um inventário de árvores, diagnóstico dos bairros deficientes de arborização e planos de plantio segundo características físicas da cidade, criando condições para prover a cidade de cobertura arbórea compatível com a melhoria dos indicadores ambientais. Pela lei n o 1727/2020, há um retrocesso no sentido dessas diretrizes, um verdadeiro conflito, já que a supressão ou remoção por critérios discutíveis afronta o que preconiza o Plano Diretor.
O PMAU terá que se sobrepor à lei em tela, já que dispõe de maneira mais ampla e abrangente sobre Arborização, no contexto do Plano Diretor, conforme disposto pelo art. 286, parágrafo único.
7. O Poder Público tem o papel de proteção do meio ambiente para presentes e futuras gerações, conforme art. 225 da Constituição Federal, promovendo o manejo de espécies e ecossistemas. Portanto, submeter a conservação da massa arbórea, mediante relativização de critérios e estudos técnicos ausentes na lei de manejo e poda, afronta não só a Carta Maior, mas torna ineficiente o arcabouço legal de planos ambientais mais amplos e anteriores à atual gestão do próprio município, com impactos de forma regional e nacional.
8. Quanto à ameaça representada pela mudança do clima global, o dispositivo em questão desconsidera claramente a política de Mudança do Clima do Município de São Paulo, expresso na lei 14.933, de Junho de 2009, em especial no seus artigos:
“Art. 3º. A Política Municipal sobre Mudança do Clima deve ser implementada de acordo com as seguintes diretrizes:
...
XV - promoção da arborização das vias públicas e dos passeios públicos, com ampliação da área permeável, bem como da preservação e da recuperação das áreas com interesse para drenagem, e da divulgação à população sobre a importância, ao meio ambiente, da permeabilidade do solo e do respeito à legislação vigente sobre o assunto.
Art 23. O Poder Público Municipal promoverá a arborização das vias públicas e a requalificação dos passeios públicos com vistas a ampliar sua área permeável, para a consecução dos objetivos desta lei.”
Pelo exposto, o Fórum Verde Permanente de Parques, Praças e Áreas Verdes manifesta sua preocupação com a insegurança jurídica, incongruência e inconsistência com as diretrizes nacionais de proteção ambiental vigentes, amparados por todo o arcabouço legal do sistema normativo ambiental. Assim, a nova lei fere os princípios da razoabilidade, da impessoalidade e do interesse público, na medida em que os critérios para poda e remoção estarão definidos por empresas particulares, que usam critério econômico, em detrimento aos critérios técnico-ambientais de preservação do meio ambiente.
São Paulo, 06 de fevereiro de 2020.
Comissão de Discussão da Lei da Poda
Contato:
e-mail: forumverdepermanente@gmail.com
https://www.forumverdepermanente.eco.br
1 Contraditoriamente, segundo a própria municipalidade, “A Prefeitura de São Paulo trabalha para tornar a cidade sustentável. Investir na Arborização do município para que tenhamos uma floresta urbana, que ofereça sombra agradável, variedade de flores e frutos e garanta maior biodiversidade para a nossa cidade, é fundamental para melhorar a qualidade de vida da população” – Manual de Arborização Urbana – terceira edição
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